sexta-feira, 1 de abril de 2011

vida

me ensina teus enganos,
quem sabe assim eu acerto.
eu te acerto num desengano,
enquanto olho pro lado,
tropeço:

tchau

existem pessoas que esperam deus.

acordo que não faz mal;
percebo o teto, esse pequeno obstáculo,
"por quanto tempo?" basta:
saio fora pra olhar
e não é que não me vejo,
é porque as coisas são bonitas
e eu não posso tê-las

a não ser brincando assim,
sem levar a mal,
brincar de dar nome às coisas e esquecê-las,
já que estou vivo, aceito, vida.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Robinson Jeffers

Promise Of Peace

The heads of strong old age are beautiful
Beyond all grace of youth. They have strange quiet,
Integrity, health, soundness, to the full
They've dealt with life and been tempered by it.
A young man must not sleep; his years are war,
Civil and foreign but the former's worse;
But the old can breathe in safety now that they are
Forgetting what youth meant, the being perverse,
Running the fool's gauntlet and being cut
By the whips of the five senses. As for me,
If I should wish to live long it were but
To trade those fevers for tranquillity,
Thinking though that's entire and sweet in the grave
How shall the dead taste the deep treasure they have?

Vulture

I had walked since dawn and lay down to rest on a bare hillside
Above the ocean. I saw through half-shut eyelids a vulture wheeling
high up in heaven,
And presently it passed again, but lower and nearer, its orbit
narrowing,
I understood then
That I was under inspection. I lay death-still and heard the flight-
feathers
Whistle above me and make their circle and come nearer.
I could see the naked red head between the great wings
Bear downward staring. I said, 'My dear bird, we are wasting time
here.
These old bones will still work; they are not for you.' But how
beautiful
he looked, gliding down
On those great sails; how beautiful he looked, veering away in the
sea-light
over the precipice. I tell you solemnly
That I was sorry to have disappointed him. To be eaten by that beak
and
become part of him, to share those wings and those eyes--
What a sublime end of one's body, what an enskyment; what a life
after death.

To the stone-cutters

Stone-cutters fighting time with marble, you foredefeated
Challengers of oblivion
Eat cynical earnings, knowing rock splits, records fall down,
The square-limbed Roman letters
Scale in the thaws, wear in the rain. The poet as well
Builds his monument mockingly;
For man will be blotted out, the blithe earth die, the brave sun
Die blind and blacken to the heart:
Yet stones have stood for a thousand years, and pained thoughts found
The honey of peace in old poems.

Alberto da Cunha Melo

DIVAGAÇÕES SOBRE O MESMO MEDO

O medo cria músculos
e sólidos ossos
nas nuvens do céu.
O medo aumenta o perigo
e diminui os homens.

CASA VAZIA

Poema nenhum, nunca mais
será um acontecimento:
Escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos,
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas,
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

RECIFE REVISTO

Recife, o fantasma holandês
dentro de ti, ainda a te impor
a honra de teres conquistado
o teu próprio conquistado,

cidade sempre dos biscates,
dos retirantes, com mascates

a importunar a burguesia
camareira dos maciéis,
e com ácida maresia,

a faminta de liberdade,
a comer o ferro das grades.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Boris Pasternak

Aurora

Estavas por inteiro em meu destino.
Depois veio com a guerra o malefício,
e mais de ti não soube, oh desengano!,
sequer uma palavra, uma notícia.

Passou-se muito tempo, mas agora
a tua voz abriu minha ferida.
Leio tua palavra noite afora,
e venho de um desmaio para a vida.

Quero buscar no vigor matutino
a multidão: com ela confundir-me.
Estou pronto a disseminar ruínas,
pôr de joelhos a todos, inermes.

Eu desço apressadamente as escadas
e vejo ao meu redor ruas abertas,
e tanta neve cobrindo as calçadas,
como a primeira vez, nuas, desertas.

Se muitos bebem chá em salas claras,
outros seguem os bondes, apressados.
Dentro de alguns minutos, sem demora,
mal se conhece o rosto da cidade.

E tece o vento norte nos portais
uma teia de flocos condensada.
E, para não chegar tarde demais,
muitos deixam o chá pela metade.

Tamanho sofrimento me comove,
como se tanta dor em mim coubera,
pois também me dissolvo como a neve
e movo as sobrancelhas com a aurora.

Gente sem nome está junto de mim,
são árvores, meninos, sedentários.
Sou vencido por todos, pois assim
me reconheço pronto na vitória.

tradução de Marco Lucchesi

*

O Dom da Poesia (fragmento)

Deixa a palavra escorregar,
Como um jardim o âmbar e a cidra,
Magnânimo e distraído,
Devagar, devagar, devagar.

tradução de Augusto de Campos.

*

Definição de Poesia

Um risco maduro de assobio.
O trincar do gelo comprimido.
A noite, a folha sob o granizo.
Rouxinóis num dueto desafio.

Um doce ervilhal abandonado
A dor do universo numa fava.
Fígaro: das estantes e flautas -
Geada no canteiro, tombado.

Tudo o que para a noite releva
Nas funduras da casa de banho,
Trazer para o jardim uma estrela
Nas palmas úmidas, tiritando.

Mormaço: como pranchas na água,
Mais raso. C´]eu de bétulas, turvo.
Se dirá que as estrelas gargalham,
E no entanto o universo está surdo.

tradução de Haroldo de Campos

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Velimir Khlébnikov

Uma vez mais, uma vez mais
Sou pra você
Uma estrela.
Ai do marujo que tomar
O ângulo errado de marear
Por uma estrela:
Ele se despedaçará nas rochas,
Nos bancos sob o mar.
Ai de você, por tomar
O ângulo errado de amar
Comigo: você
Vai se despedaçar nas rochas
E as rochas hão de rir
Por fim
Como você riu
De mim.

(tradução de Augusto de Campos)

*

Elefantes batiam-se a golpes de marfim:
pareciam talhados na pedra branca.
Cervos entrecruzavam seus galhos:
pareciam travados por antigas núpcias
em mútua paixão e mútua infidelidade.
Rios desaguavam no mar:
o braço de um afogava o colo do outro

(tradução Augusto de Campos)

*

NÚMEROS

Eu vos contemplo, ó números!,
vestidos de animais, em suas peles,
as mãos sobre carvalhos destroçados.
Mostrais a união entre o serpear
da espinha dorsal do universo e o bailado da balança.
Permitis a compreensão dos séculos, como os dentes
numa breve gargalhada.
Meus olhos se arregalam intensamente.
Aprender o destino do Eu, se a unidade é seu dividendo.

(tradução de Marco Lucchesi)

*

Meninas, aquelas que passam,
calçando botas de olhos negros,
nas flores de meu coração.
Meninas que pousam as lanças
no lago de suas pupilas.
Meninas que lavam as pernas
no lago de minhas palavras.

(tradução de Marco Lucchesi)

József Attila

DESESPERANÇADAMENTE

O homem afinal alcança
Triste, plana, úmida areia,
Olha em torno pensativo e,
Prudente, só assente, nada espera.

Eu também tento olhar em torno
Assim, levemente, sem enganos.
Prateado sussurro de foice
Brinca entre as folhas dos álamos.

No galho do nada pousa meu coração,
Pequeno corpo mudo treme,
Cercando-lhe estrelas se chegam
E assistem, assistem mansamente.

*

LEVANTA-SE AO AMANHECER COMO OS PADEIROS

A minha amada possui a cintura esbelta e firme.
Já estive num avião e de cima ela parece mais pequena
mas ainda que eu fosse piloto assim me agradaria.

Ela própria lava a roupa, a espuma sonha e treme nos seus braços,
ajoelha-se como se rezasse, esfrega o chão
e, ao acabar, ri alegremente.
O seu riso é uma maçã cuja casca morde com estrépito
e também a maçã ri, então, às gargalhadas.
Quando amassa o pão levanta-se ao amanhecer
como os padeiros, parentes dos fornos de pão suave
que vigiam com as suas longas pás.
A farinha, ao derramar-se, voa até aos seus peitos livres
onde fica a dormir tranquilamente,
tal como a minha amada no leito perfumado,
depois de esfregar
e de abraçar, até limpar completamente, o meu coração.

A minha esposa será como ela se eu crescer e amadurecer como um homem
e casar-me-ei como o meu pai.

*

DIZEM

Quando nasci tinha uma faca na mão.
Dizem: é poesia.
Mas peguei na pena, melhor ainda que a faca.
Nasci para ser homem.

Alguém soluça uma felicidade apaixonada.
Dizem: é amor.
Chama-se ao teu seio, simplicidade das lágrimas!
Só contigo eu brinco.

Não recordo nada e também nada esqueço.
Dizem: como é possível?
O que deixo cair mantém-se sobre a terra.
Se o não encontro, tu o encontrarás.

A terra me aprisiona, o mar me dilacera.
Dizem: um dia morrerás.
Mas dizem-se tantas coisas a um homem
que nem sequer respondo.

*

AÍ ESTÁ O SALDO FINAL

Confiei em mim desde o primeiro momento.
Custa muito pouco ser dono do vento.

E à besta não lhe é mais custosa
a vida, até que a lançam à fossa.

Nasci, amei, fui longe, fiz o resto.
Com medo, às vezes, mantive-me no posto.

Paguei sempre as dívidas contraídas
e agradeci, com as mãos estendidas.

Se fingida mulher aqui e além me quis,
amei-a, para que pudesse ser feliz.

Fiz cordas, varri, dei-me ao vinho
e entre os espertos fingi-me cretino.

Vendi brinquedos, pão e poesia,
jornais e livros: o que se vendia.

Não morrerei enforcado em fácil trama
ou em grande batalha, mas na cama.

Vivi (já está aí o saldo final):
Muitos outros morreram deste mal.

*

TALVEZ EU SUMA DE REPENTE

Talvez eu suma de repente,
feito rastro de bicho na floresta.
Dilapidei completamente
tudo de que devia prestar conta.

Já o meu corpo-menino em botão
vi murchar num fumo que cegava.
Aflição estilhaça-me a razão
quando reparo a que hei chegado.

Cedo cravou em mim seu dente
o desejo, profundos enganos.
Hoje tremo de arrependimento:
quisera ter esperado mais dez anos.

De teima sempre recusei
sentido à palavra materna.
Depois órfão e enteado passei
à galhofa das coisas de escola.

Minha juventude, viço verde
pensei ser eterna liberdade,
e hoje só escuto entre lágrimas
o estalar de galhos secos.